Por Alvaro Olyntho
Artur Barrio e Cildo Meireles
Transgressor quando se refere às artes plásticas, o português Artur Barrio, que vive no Rio de Janeiro desde 1955, tem como mote externar as obras, tirá-las de dentro de quadros ou cavaletes: fazer de uma obra não uma experiência estritamente visual, mas totalmente participativa. Não esconde suas obras em museus ou galerias, torna-as intervenções, as colocando nos jardins, nas ruas. Não se importa com a reação do público, amor ou ojeriza, as faz para si.
Em
1969, cinco anos após o início do regime ditatorial no Brasil, Barrio, então
com 24 anos, expôs no Salão das Bússolas, no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro (MAM-RJ), uma forte crítica ao regime. Na obra “Trouxas
ensanguentadas”, trouxas uniformes empapadas de sangue (provindas de um pedaço
de carne colocadas na trouxa) foram colocadas nos pedestais do MAM. Sem nomes
ou identificação, eram apenas trouxas ensanguentadas, representavam a
violência, os desaparecimentos e o terror da época.
Em
1970, Artur Barrio espalhou pelas ruas do Rio de Janeiro mais 500 de suas
trouxas ensanguentadas, com escarro, urina, papel higiênico e outras secreções
e tipos de lixo: a truculência militar apenas aumentara. Ele fez o mesmo em
Belo Horizonte, no ribeirão Arrudas. Apenas então a polícia interviu.
Trouxas Ensanguentadas. Foto: Blog de Artur Barrio
Trouxa Ensanguentada. Foto: Blog "CanibaliAfetiva"
Talvez
mais explícito que Barrio foi o carioca Cildo
Meireles. Para incitar a população a refletir sobre os reais fatos
maquiados pela ditadura – as torturas, por exemplo – Cildo carimbou centenas
notas de cruzeiros com a frase “QUEM MATOU HERZOG?”, questionando a morte do
jornalista Vladimir Herzog, forjada pelos militares em 1975. Morto enquanto
torturado, Herzog teve seu cadáver pendurado e fotografado pelos militares,
imitando um suicídio. Assim como Barrio, Meireles desliga-se da autoria da
obra, tende a permanecer no anonimato. Não apenas mantinha seu nome oculto,
como também autorizava automaticamente a reprodução de suas obras.
Não
foi apenas com Herzog que Cildo realizou intervenções utilizando-se de cédulas.
Em 1977, ele substituiu as efígies do cruzeiro para a de índios, adulterando as
notas para colocar o valor de “zero cruzeiro”. Em garrafas retornáveis de
Coca-Cola, Cildo grafava frases como “yankees go home”: com a garrafa vazia,
eram impossíveis de serem lidas. Já cheias, retornadas, tornavam-se explícitas.
Quem Matou Herzog?. Foto: Blog "Vida e obra de Cildo Meireles"
Projeto Coca-Cola. Foto: Blog "Vida e obra de Cildo Meireles"
Zero Cruzeiro. Foto: Blog "Autores e Livros"
Também
português, Antonio Manuel merece
menção. Usando jornais como suporte e nanquim, Manuel destacava e realçava
certas notícias, escurecendo e apagando outras. Em 1968, Manuel passou a usar flans – espécie de cartões plastificados
– para criar suas próprias notícias e distribuí-las em bancas de jornais. Em
1968, Manuel participou da exposição Apocalipopótese, no Rio de Janeiro,
expondo a obra “Urnas Quentes”, caixões de madeira que deveriam ser destruídos
pelos visitantes. Dentro das urnas, encontravam-se notícias, textos e imagens sobre
política, violência e repressão.
Urnas Quentes
Em um
panorama geral, vemos, portanto, que as artes plásticas durante o período
militar brasileiro possuíam certas características comuns. Todas tinham um
caráter de revelação da verdade e exigiam a participação popular.
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