quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Entrevista com a historiadora Amanda Cuesta


Por Maria Beatriz Gonçalves



Nesta entrevista, realizada em 21/09/2012, a historiadora e arte educadora Amanda Cuesta trata dos principais aspectos das artes plásticas na ditadura, como o conteúdo das obras, a discussão em torno do “quanto custa a arte?” e as influências externas. Ressalta artistas como Hélio Oiticica, Ciro Meireles e a fotógrafa Lenita Perroy. Amanda também explica um pouco sobre a onda que se instaurou no Brasil desde a Semana de 22 no que se refere à criação de instituições ligadas à arte. Por fim, ela responde a questão da função da arte: os artistas teriam, pelo contexto da época, a obrigação de fazer o uso militante da arte?



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A organização artística pré-64 – o CPC e a arte popular revolucionária

Por Aline Rocha

Principal representante da mobilização política e do engajamento cultural pré-64, o Centro Popular de Cultura (CPC) tinha em seu projeto a construção de uma “arte popular revolucionária”, que via na expressão artística um instrumento de tomada de poder.

Criado no Rio de Janeiro em 1961, ainda no governo de João Goulart, o CPC era ligado à União Nacional de Estudantes (UNE). Seu engajamento político e cultural era baseado no Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura, feito pelo sociólogo Carlos Estevam Martins. O texto, entre outros ideais, defendia o esforço dos artistas em tirar as massas da alienação e submissão.

Heloísa Buarque de Hollanda, em seu livro Impressões de Viagem - CPC, vanguarda e desbunde: 1960/70, faz a seguinte afirmação sobre o a instituição: “A efervescência política e o intenso clima de mobilização que experimentávamos no dia-a-dia favoreciam a adesão dos artistas e intelectuais ao projeto revolucionário”.

Ainda a respeito do CPC, Heloísa também afirma que a instituição dividia os artistas e intelectuais do país em três categorias: conformismo, inconformismo ou atitude revolucionária consequente. No primeiro caso, o artista estaria alienado, “perdido em seu transviamento ideológico”. Já no inconformismo, estariam os artistas que mantinham repulsa pelos padrões dominantes, aqueles que não percebiam que para estar ao lado do povo, era necessário mais atitude do que a simples negação dos “propósitos ostensivos dos inimigos do povo”.

A terceira categoria, a atitude revolucionária consequente, era a escolhida pelo CPC. Como o próprio Manifesto diz: “Os membros do CPC optaram por ser do povo, por ser parte integrante do povo, destacamentos de seu exército no front cultural”.

Entre as produções do CPC, realizadas de dezembro de 1961 a dezembro de 1962, estão a peça Ele Não Usam Black-Tie e o filme Cinco Vezes Favela, que reúne cinco histórias de diferentes autores. Além disso, a instituição promoveu também cursos de teatro, cinema, artes visuais e filosofia.

Mas qual é, afinal, a relação do CPC com a ditadura? Além de refletir a instabilidade política antes do Golpe Militar, a instituição foi fechada logo nos primeiros dias de abril de 1964, o que levou à prisão de artistas e intelectuais e o exílio político. Porém, o projeto do Centro Popular de Cultura da UNE ainda ecoou em algumas iniciativas, como, por exemplo, no show Opinião, de 1964, espetáculo musical com texto de Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes e encenado pelos antigos cepecistas Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão.

Já durante o período da Ditadura Militar, foram abertas outras instituições ligadas à arte, como o Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro (1965) e de São Paulo (1970), e a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE), órgão criado em 1975.

Além disso, o Grupo REX, criado em 1966 por Wesley Duke Lee, Geraldo de Barros e Nelson Leirner (1932), também trouxe irreverência ao movimento artístico da época com exposições e happenings que traziam críticas ao sistema de arte vigente, que na opinião do grupo tratava o objeto artístico como mera mercadoria. O grupo, porém, durou pouco menos de um ano, se extinguindo em maio de 1967.

Capa do primeiro número do Jornal Rex: a guerra é com o mercado da arte

domingo, 23 de setembro de 2012

Social-arte

Por Beatriz de Fátima



            A arte plástica, a partir da década de 60, passou a ser produzida de modo mais próximo do conceitual, contando com nuances de minimalismo. Disseminando uma economia de linguagens, o grupo de artistas, que construíam o estilo da época, intervieram com a criação de um modelo inovador montando e organizando as mostras, além de agirem como curadores.
         As exposições funcionavam como um espaço de discussão, no qual acontecia um debate entre as ideologias políticas e o combate que propunha a arte. Era justamente essa a proposta dos movimentos como: Opinião 65, Opinião 66, Proposta 65, Proposta 66 e A Nova Objetividade Brasileira, sinalizando o momento em que surgia uma arte experimental, que, ao mesmo tempo, era comprometida com uma causa específica.
         O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no período entre agosto e setembro de 1995, foi palco da exposição Opinião 65. O comprometimento político não era o único impulso para o acontecimento da mostra. A experimentação vanguardista era outro fator importante por inserir, no estilo, a figuração e a abstração.
Cartaz da exposição
           O show Opinião, apresentação musical produzida, em dezembro de 1964, por integrantes do Centro de Cultura da UNE, que estava em ilegalidade declarada pelo Regime Militar, foi influência para o nome do evento artístico organizado por Ceres Franco e Jean Boghici, contando com a participação de 17 artistas brasileiros e 13 estrangeiros. O evento acabou sendo tomado como a principal mostra artística de caráter combativo ao regime militar brasileiro.
Estória (O Fim da Idade do Chumbo), 1965. Exposta em "Opinião 65", SP, 1965.
         Dentre os estilos artísticos veiculados pela Opinião 65, na época, estão a arte Pop norte-americana e o movimento da figuração, que se tratava de uma figura livre, fora do molde realista. Uma das instalações típicas do movimento foi o famoso Parangolé, de Hélio Oiticica, com o nome que significava algo como agitação. A arte, que requeria participação do público, agia por representar claramente o que ditava o Pop da época.
         A Opinião 65 acabou por impulsionar um evento, de mesmo caráter, mas realizado em território paulista. Planejada principalmente por Waldemar Cordeiro, a Proposta 65 foi organizada na Fundação Armando Álvares Penteado, na cidade de São  Paulo, em dezembro de 1965. Participaram 45 artistas, dentre alguns que também estavam presentes na Opinião 65 e artistas que realizavam obras concretistas, entre outras. O evento paulista discutia mais concretamente o que havia se iniciado pelos cariocas, partindo, por fim, ao estilo do realismo, com uma arte mais participativa.

         As discussões acabaram levando a realização de um terceiro movimento, que propunha um modo de debate ainda mais claro. A Nova Objetividade Brasileira foi realizada em abril de 67 também no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Este acabava por desenvolver um programa da arte de vanguarda nacional, discutindo um papel social da arte e sua relação direta com o público.
Cartaz da exposição carioca.

 Pintura Tátil, 1964. Exposta em "A Nova Objetividade Brasileira, RJ, 1967.  

         Os eventos foram, em geral, concretizações do momento de experimentação dos artistas e as tentativas de promover uma boa recepção e um bom relacionamento com o público além do envolvimento social.

Que fim levou Mirante? - A mídia especializada em arte na Ditadura Militar


Por Raquel Novaes Bertani

A mídia especializada era um dos únicos meios para os artistas plásticos divulgarem seus trabalhos durante o período da Ditadura Militar. Ao observar as revistas Mirante das Artes, Arte Vogue, Gam, Vida das Artes e Malasartes, pude tirar algumas conclusões.

Ao observar exemplares das revistas citadas, publicadas durante a ditadura militar, pude observar que algumas delas preferiram focar na arte internacional ou ignorar e agradecer ao governo pelas brechas cedidas para a realização de algumas exposições. Caso observado nas revistas Vida das Artes e GAM.  As outras que observei se mostraram mais combativas, caso das revistas Mirante das Artes, Arte Vogue, ambas editadas por Pietro Maria Bardi, um dos criadores e diretor do MASP até 1996, e as revista Malasartes editada por um dos artistas mais icônicos da época, criador da obra Inserções em Espaços Sociológicos: Projeto Coca-Cola, Cildo Meirelles. Em Mirante e Arte Vogue as críticas ao governo eram ácidas, como exemplo de uma publicada nesta última, após o governo vetar a abertura de uma exposição em Salvador por considerar que o acervo oferecia uma imagem deteriorada do país. Porém, ao invés de fazer uma crítica descarada, a publicação convidava o leitor a pensar e refletir sobre como se sentia sabendo que seu governo havia cancelado uma exposição com obras dos maiores nomes da arte baiana apenas por não ser convencional. Já em Mirante das Artes, as críticas eram menos veladas, como em um artigo que recriminava a tentativa do governo militar de abrir uma TV educativa que se chamaria “Centro Brasileiro de TV educativa”. Logo acima do texto, existia uma gravura mostrando uma pessoa amordaçada e no outro uma vendada com os ouvidos, mostrando claramente que a posição da revista era contrária às tentativas ditatoriais de controlar cada vez mais a população.
Exemplares de Mirante das Artes

            Tenho que confessar que estranhei, quando percebi que as revistas mais combativas eram aquelas dirigidas por Pietro Maria Bardi, grande amigo do magnata da imprensa, desonesto e amigo de qualquer governo que topasse facilitar sua vida, Assis Chateaubriand. Inclusive, em um dos números, Bardi faz um editorial em homenagem a morte do dono dos Diários Associados, engrandecendo seus grandes feitos pela arte brasileira ao criar o Museu de Arte de São Paulo. Não encontrei nenhuma razão que justificasse tal posição, mas algumas matérias são mais brandas e não tão incisivas, como uma bandeira branca para que a revista continuasse funcionando. Mas o que percebi no geral é que a mídia especializada, em grande parte, não se deixou intimidar e passou a criticar o governo através da arte. Críticas à pobreza, a não-divulgação da arte, ao fechamento de exposições e até contra a restrição da liberdade de imprensa eram encontradas nestes exemplares.

Pietro Maria Bardi - editor de Mirante e Arte
            Enquanto observava estas revistas (muito bem organizadas e conservadas no acervo da biblioteca do MASP, por sinal), me fiz uma pergunta, onde estava a censura que não proibia estas publicações? Por caso, achavam que as publicações especializadas atingiam um público limitado e não ofereciam perigo? Comecei a pensar, e se aconteceu? Por exemplo, no MASP ao consultar a coleção completa de Mirante, percebi que a publicação começava e terminava em 68, com a promessa de voltar reformulada. Já Arte Vogue se tronou um encarte de Casa Vogue, perdendo grande parte de seu espaço. Coincidência ou apenas decisões econômicas? Bem, não pude encontrar nada que confirmasse minhas teses e deixo-as apenas para reflexão dos leitores.

Mais informações em breve...
Agradecimento à Biblioteca do Museu de Arte de São Paulo



Os Não-Silenciados

Por Alvaro Olyntho

Artur Barrio e Cildo Meireles
            

            Transgressor quando se refere às artes plásticas, o português Artur Barrio, que vive no Rio de Janeiro desde 1955, tem como mote externar as obras, tirá-las de dentro de quadros ou cavaletes: fazer de uma obra não uma experiência estritamente visual, mas totalmente participativa. Não esconde suas obras em museus ou galerias, torna-as intervenções, as colocando nos jardins, nas ruas. Não se importa com a reação do público, amor ou ojeriza, as faz para si.

            Em 1969, cinco anos após o início do regime ditatorial no Brasil, Barrio, então com 24 anos, expôs no Salão das Bússolas, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), uma forte crítica ao regime. Na obra “Trouxas ensanguentadas”, trouxas uniformes empapadas de sangue (provindas de um pedaço de carne colocadas na trouxa) foram colocadas nos pedestais do MAM. Sem nomes ou identificação, eram apenas trouxas ensanguentadas, representavam a violência, os desaparecimentos e o terror da época.

            Em 1970, Artur Barrio espalhou pelas ruas do Rio de Janeiro mais 500 de suas trouxas ensanguentadas, com escarro, urina, papel higiênico e outras secreções e tipos de lixo: a truculência militar apenas aumentara. Ele fez o mesmo em Belo Horizonte, no ribeirão Arrudas. Apenas então a polícia interviu.


Trouxas Ensanguentadas. Foto: Blog de Artur Barrio

Trouxa Ensanguentada. Foto: Blog "CanibaliAfetiva"


            Talvez mais explícito que Barrio foi o carioca Cildo Meireles. Para incitar a população a refletir sobre os reais fatos maquiados pela ditadura – as torturas, por exemplo – Cildo carimbou centenas notas de cruzeiros com a frase “QUEM MATOU HERZOG?”, questionando a morte do jornalista Vladimir Herzog, forjada pelos militares em 1975. Morto enquanto torturado, Herzog teve seu cadáver pendurado e fotografado pelos militares, imitando um suicídio. Assim como Barrio, Meireles desliga-se da autoria da obra, tende a permanecer no anonimato. Não apenas mantinha seu nome oculto, como também autorizava automaticamente a reprodução de suas obras.

            Não foi apenas com Herzog que Cildo realizou intervenções utilizando-se de cédulas. Em 1977, ele substituiu as efígies do cruzeiro para a de índios, adulterando as notas para colocar o valor de “zero cruzeiro”. Em garrafas retornáveis de Coca-Cola, Cildo grafava frases como “yankees go home”: com a garrafa vazia, eram impossíveis de serem lidas. Já cheias, retornadas, tornavam-se explícitas.


Quem Matou Herzog?. Foto: Blog "Vida e obra de Cildo Meireles"

Projeto Coca-Cola. Foto: Blog "Vida e obra de Cildo Meireles"

Zero Cruzeiro. Foto: Blog "Autores e Livros"


            Também português, Antonio Manuel merece menção. Usando jornais como suporte e nanquim, Manuel destacava e realçava certas notícias, escurecendo e apagando outras. Em 1968, Manuel passou a usar flans – espécie de cartões plastificados – para criar suas próprias notícias e distribuí-las em bancas de jornais. Em 1968, Manuel participou da exposição Apocalipopótese, no Rio de Janeiro, expondo a obra “Urnas Quentes”, caixões de madeira que deveriam ser destruídos pelos visitantes. Dentro das urnas, encontravam-se notícias, textos e imagens sobre política, violência e repressão.


Urnas Quentes

            Em um panorama geral, vemos, portanto, que as artes plásticas durante o período militar brasileiro possuíam certas características comuns. Todas tinham um caráter de revelação da verdade e exigiam a participação popular.